Enquanto o
covid-19 estiver por perto não volta a treinar…
“É IMPORTANTE PERCEBEREM QUE O FUTEBOL NÃO É O MAIS IMPORTANTE DAS NOSSAS
VIDAS”
Treinador da equipa alentejana, que fez três quarentenas, pediu para sair por considerar não haver condições para trabalhar e não se sentir seguro no exercício de funções
Quer isso dizer que a saída do treinador nada tem a ver
com os resultados mas sim com a falta de condições para trabalhar causadas
pelas constantes paragens que o clube foi obrigado a fazer, devido à pandemia.
Nesta
entrevista concedida ao nosso jornal, Vítor Madeira conta tudo ao pormenor.
Por que razão deixou o
comando técnico do união de Santiago?
A decisão que tomei tem a ver com a situação que se vive actualmente no
país. O U. Santiago foi fustigado com três casos de covid-19, estivemos 45 dias
em quarentena e eu como treinador não me sinto capaz de desempenhar o meu
trabalho. Enquanto gestor de recursos não me sinto feliz a fazer o meu trabalho
com os jogadores e ninguém se sente seguro perante o que tem acontecido. Como
sou uma pessoa séria e gosto de encarar as coisas de olhos nos olhos e gosto de
estar feliz, senti a necessidade e a obrigação de colocar um termo no vínculo
que tinha com o U. Santiago. Era impossível treinar nestas condições.
Quer dizer então que foi
uma decisão devidamente ponderada?
Sim, foi. Veja só este caso: no dia 20 de Dezembro íamos jogar com o Moitense.
Na véspera, estava a acompanhar a equipa de Sub-22, precisamente na Moita,
quando um jogador da equipa principal me ligou a dizer que estava com covid-19.
Era o terceiro caso no plantel, tivemos que ficar mais quinze dias de
quarentena e logo na época de Natal. Eu e os meus familiares passámos uma
quarentena muito difícil. Fui amadurecendo sobre o assunto e numa conversa com
o presidente do clube e com o Carlos Nobre tentei falar-lhes ao coração e
disse-lhes que não me sentia feliz a dar treino nestas condições. Como o U.
Santiago é rico em pessoas de bem, aceitaram a minha decisão.
Claro que sim. Do U. Santiago guardo as melhores recordações, gostei de ter
treinado e de ter feito parte de um clube tão grande. Fui super bem tratado,
não tenho nada a apontar ao União porque é gerido por gente séria. O problema tem
a ver apenas com o covid-19 e com o facto de não conseguir treinar em
condições. Começámos no dia 1 de Setembro, fizemos dois jogos de preparação e
tínhamos 27 treinos realizados até à data em que saí. Ou seja, isto é muito
pouco para uma equipa que quer andar nos lugares de cima e que tem jogadores, condições
e estrutura para discutir este ano os primeiros lugares, mas assim é
impossível. O que me faz andar no futebol é o gosto que tenho por ele mas a
nossa família deve estar sempre em primeiro lugar. Aproveito para apelar a
todos para que se protejam porque o vírus está cada vez mais forte, temos que
cuidar de nós, dos nossos filhos e das nossas famílias porque vivemos do nosso
trabalho e não daquilo que ganhamos no futebol.
Há quem diga que os
responsáveis pela saúde na região têm sido demasiado exigentes na imposição das
regras. Também partilha desta opinião?
Temos sido muito fustigados na região com esta doença mas os nossos clubes
têm sido sérios porque identificam os casos e informam a delegada de saúde, que
decide de acordo com as normas. Se é exigente de mais ou não, não sei,
provavelmente será, mas nestas questões de saúde não se deve facilitar. No
nosso caso tínhamos os jogadores distribuídos por quatro balneários, dois no
campo sintético e dois no relvado e tivemos sempre cinco jogadores em cada
balneário, cumprimos sempre as regras, se calhar ao contrário do que acontece
noutras regiões. Digo isto porque há
clubes situados em concelhos com maior número de infectados que nunca param,
veja-se por exemplo o Barreirense que tem cinco jogos realizados e nós apenas
dois. Mas, como já disse, esta última
quarentena fez-me pensar que o futebol é muito importante para mim mas actualmente
não posso passar o futebol para a frente da minha vida porque tenho filhos, mulher,
pai e irmãos com quem me relaciono quase todos os dias. Já agora aproveito para
deixar uma palavra de agradecimento aos directores do U. Santiago que foram
sempre estrondosos na forma como me trataram. A prova disso é que saí da mesma
maneira que entrei, com um sorriso na cara. Estarei sempre na bancada a torcer
pelas vitórias e pelo sucesso do clube.
E o futuro como vai ser.
Vai querer com certeza continuar a exercer funções?
Para já vou
fazer um interregno. Já tive convites para voltar a treinar no distrital mas
enquanto o covid-19 estiver por perto não voltarei a fazê-lo. Continuarei
ligado ao futebol através da televisão ou nos campos quando nos deixarem mas
esta época não irei com toda a certeza treinar em lado nenhum, nem no futebol
de cinco ou de sete, porque não há condições e não me sinto seguro para fazer aquilo que gosto. Não quero estar infeliz no
sítio onde sou feliz. É importante que as pessoas percebam que o futebol não é
o mais importante das nossas vidas.
Sem comentários:
Enviar um comentário