Regressou ao trabalho na terça-feira…
“TODOS OS DIAS CHORAVA, PENSAVA QUE IA SER MAIS UM
DAQUELES QUE IA PARA O OUTRO LADO”
As noites na enfermaria e a tranquilidade que traziam eram, de resto, o momento em que caía o "escudo" do homem que, aos 64 anos, nunca tinha entrado num hospital
O treinador do Cova da Piedade, António Pereira, sobreviveu ao surto do novo coronavírus, que atingiu a equipa da II Liga, experiência que o leva a afirmar que "o jogo da vida é o mais importante".
Aos 64 anos, o técnico passou seis dias nos cuidados
intensivos (UCI) e nove nos intermédios do Hospital de São Bernardo, em
Setúbal, onde esteve "sempre consciente" e os médicos nunca lhe
esconderam a gravidade extrema da sua situação.
"Disseram logo "você tem aqui um TAC, está
muitíssimo mal, é muitíssimo grave". Tal e qual estas palavras. "Os
primeiros oito a dez dias são fundamentais. Se o seu corpo reagir, você
safa-se. Se não reagir, senhor Pereira, isto está muito mau, muito
difícil". Médicos que chegavam ao pé de mim, agarravam-me na mão e diziam
"calma, senhor Pereira, calma". Eles diziam-me a verdade, mas
magoava. Eu sabia que ia morrer", contou o treinador à agência Lusa.
António Pereira chegou a estar com o fluxo de oxigénio no
sangue em 34, quando "dizem que a partir dos 40 ou 50 entra-se em
coma", e os médicos chegaram a dizer à sua família para ir-se
"preparando" para o pior, até que, "felizmente, o corpo
reagiu" e o técnico já voltou esta semana a orientar os treinos da equipa
da margem sul do Tejo.
Mas antes de recuperar, sair da UCI, e, por fim, dos cuidados intermédios, Toni Pereira viu, literalmente, a vida a passar-lhe em revista à frente dos olhos e a morte ao seu lado.
"Lembrava-me de tudo. A única coisa que pensava era
que "já não vou sair daqui". Uma coisa tão grave como foi, as pessoas
a dizerem-me, os médicos a agarrarem-me na mão e a fazerem-me festinhas, a
confortarem-me... Como deve calcular, quando fazem uma coisa destas é um
sinal", relatou.
Enquanto esteve no hospital, Toni Pereira viu gente que
"infelizmente morreu" mesmo ao seu lado, o que "ainda magoava
mais", ver pessoas "ali ligadas, entubadas, nos cuidados
intensivos", e pensava que "ia ser mais um daqueles que ia para o
outro lado".
Por isso, faz questão de agradecer, mais do que uma vez
ao longo da conversa com a Lusa, "ao Hospital de São Bernardo, médicos,
enfermeiros e pessoal auxiliar".
"Vocês não fazem ideia o que eles trabalham e o que eles sofrem. Dentro daqueles fatos, então! Eu não posso agradecer de outra maneira a não ser pela comunicação social. Foi uma coisa que eu não tenho o mínimo a dizer de ninguém. Nos cuidados intensivos, os médicos, assim que entravam era comigo que iam ter. Foram dias e noites... Uma enfermeira que dormiu ali em frente a mim nas noites que eu lá estive. Como é que eu posso agradecer se não forem vocês a divulgar", questionou.
As noites na enfermaria e a tranquilidade que traziam
eram, de resto, o momento em que caía o "escudo" do homem que, aos 64
anos, "nunca tinha entrado num hospital".
"Todos os dias chorava. Lembrava-me de tudo isto,
mas essencialmente da minha mulher, da minha filha e da minha neta. [Pensava]
que nunca mais a ia ver, [que] não conseguia ver a evolução dela e todos os
dias eu chorava quando havia aquela calma na enfermaria. As pessoas não ouviam
e as lágrimas corriam. Todos os dias chorei. Foi muito difícil, a vida hoje tem
outro valor para mim", assume.
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