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sexta-feira, 14 de agosto de 2020

ARTIGO DE OPINIÃO»» Desafiar o futebol numa nova era

 

Por Hugo Pascoal

Football Scout / Coach UEFA B Licence

 

Hugo Pascoal

Hugo Pascoal, que esteve no scouting da formação do SL Benfica entre 2005 e 2014, elaborou um artigo a propósito de futebol pós-covid e este "novo normal" que vivemos. O artigo, publicado na revista indiana de futebol "Viva Football" é partilhado agora, também, aqui, pelo próprio, numa estreita colaboração com o Jornal de Desporto.

 



“O MENINO DE RUA DEU LUGAR AO MENINO DA ESCOLA DE FUTEBOL”

 


O futebol mundial vive tempos conturbados fruto da terrível pandemia covid-19 que teima em deixar a sua marca. Em muitos países tem sido o futebol a dar o primeiro sinal de abertura a uma nova era, a uma diferente fase que faça ressurgir o legado que este desporto-rei tem à escala global. Não nos podemos iludir. O mundo está forçosamente diferente, estamos mais distantes uns dos outros sendo que a nossa rotina quotidiana terá que se adaptar a uma nova realidade. Uma nova era em vários segmentos profissionais de entre os quais o futebol tem tentado ser o filtro mobilizador para o regresso à normalidade. As competições pararam como nunca tinha acontecido. Entrámos num caminho de difícil saída.


 

Ausência de jogos por tempo indeterminado, jogadores sem treinos coletivos, treinadores com indefinição nos planos semanais de treinos, estádios fechados e adeptos em casa. O negócio futebol, como o concebemos, entrou em colapso. Os campeonatos dos escalões de base pararam igualmente. Muitos jovens jogadores viram travado o seu percurso e o processo de formação individual. Uma paragem que pode ter reflexos num deficiente processo evolutivo de cada atleta cuja aprendizagem e desenvolvimento ficaram bloqueados.

 


O futuro começa agora. O retorno gradual de algumas competições é uma esperança que não se deve desperdiçar. O futebol profissional é a porta de entrada de uma era. Possivelmente com contenção de custos na gestão, a que se seguirá uma menor e cuidada atividade no mercado de transferências. Serão oferecidos valores mais baixos na aquisição de jogadores ou seja, haverá um natural retrair do mercado. A tudo isto vai somar-se a redução de custos para baixar despesa corrente. A aposta nos jovens jogadores da base é a solução para viabilizar economicamente os clubes.

 

Sem grande liquidez e capacidade financeira alguns clubes lançam os dados nos jogadores da base. É a grande oportunidade para mostrar o seu valor em campo, assim como deixa o Scouting com o papel principal de acerto nas opções de recrutamento. A seleção deve ser rigorosa e objectiva. É fundamental que o acerto na selecção seja elevado. Não chegarão todos a um nível superior mas é essencial que exista qualidade individual, talento, técnica, inteligência e mentalidade competitiva para chegar ao topo.

 

É preocupante ver que, em larga escala, o futebol de rua desapareceu. O talento inato de alguns jovens jogadores é, hoje em dia, diferente. Falta a criatividade e há muito menos jogadores tecnicamente bons em espaços muito reduzidos. O talento que habitava na rua desapareceu. Os jovens estão hoje mais concentrados em jogos de plataformas digitais, menos habituados à mobilidade de rua. A velocidade de raciocínio com bola é menor e o foco em videojogos traz uma falta de visão periférica tão importante no futebol. O menino de rua deu lugar ao menino da escola de futebol sem a qualidade e talento de há uns anos.

 

As ferramentas de Scouting permitem identificar e acompanhar os jovens talentos. No entanto, não existe no mundo ferramenta que possa garantir a 100% a explosão na carreira e o sucesso enquanto futebolista. Continua a ser o olho clínico dos scouts o melhor caminho para verificação das capacidades motoras e aptidão técnica e mental do talento. Esta época travou a assimilação de processos individuais e colectivos e dificultou a missão do scout no futebol de base e no profissional.


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