Artigo de opinião do
presidente Joaquim Tavares…
“DEPOIS DA SUSPENSÃO DOS
CAMPEONATOS VEM AGORA A SITUAÇÃO MAIS COMPLEXA”
Em função da vigência Estado
de Emergência e apresentando-se como desígnio maior a salvaguarda da saúde
pública, decidiu a Federação Portuguesa de Futebol a suspensão de todos os
campeonatos amadores e a Associação de Futebol de Setúbal, para já, os campeonatos
dos escalões de formação, de resto solução que há muito se adivinhava. Vem
agora a situação mais complexa, que passa pela decisão de operar ou não subidas
e descidas e, em caso afirmativo, quais os critérios que deverão ser aplicados
para o efeito.
A decisão da AFS em operar
subidas e não descidas parece ser a decisão mais justa, sensata e equilibrada.
Até porque os quadros competitivos comportam perfeitamente 16 clubes. Nenhum
clube é culpado pela situação existente. Se não há culpados também não poderá
haver condenados, à não subida de divisão, neste caso. Por outro lado, ninguém
pode ser condenado sem que lhe tenham sido dadas todas as garantias de defesa.
Vale isto por dizer que devem ser operadas as subidas, para que ninguém seja
condenado sem culpa formada e não devem ser operadas as descidas para não
condenar ninguém, sem que lhe tenham sido possibilitadas todas as garantias de
defesa, ou seja, jogar até ao fim para poder melhorar a sua situação na tabela
classificativa.
É preciso então integrar as
lacunas da lei, mas sempre de acordo com as regras e não de forma
discricionária. A possibilidade de existência de lacunas na lei está prevista
no Código Civil tal como as regras de integração dessas mesmas lacunas.
Com efeito, o artigo 10.º do
Código Civil, dispõe: “(Integração das lacunas da lei) 1. Os casos que a lei
não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos. 2. Há
analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da
regulamentação do caso previsto na lei. 3. Na falta de caso análogo, a situação
é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de
legislar dentro do espírito do sistema.”
Poderemos dizer que, até mesmo
na ausência de lei, haverá sempre uma lei a aplicar. Ora, no caso concreto,
estamos claramente em presença de uma lacuna da lei.
Nenhum regulamento
associativo ou federativo prevê expressamente a situação ora verificada. Como
regra, todas as competições oficiais por pontos, terão obrigatoriamente duas
voltas simétricas e os participantes encontrar-se-ão todos entre si, uma vez na
condição de visitados e outra na de visitantes, nos respectivos estádios.
Contudo, no caso da Associação de Futebol de Setúbal, várias são as provas que
se jogam a uma só volta, tal como neste caso, por falta de calendário para
realizar uma prova a duas voltas. Veja-se algumas primeiras fases de escalões
de futebol de 7, torneios complementares e Taça AFS. Até a própria fase de
grupos da Taça da Liga Portugal é jogada a uma só volta. Há pois, muitas provas
jogadas a uma só volta. No entanto, há sempre uma condição e uma alteração à
regra geral: todos jogam contra todos uma única vez e o primeiro factor de
desempate é a diferença de golos, pois quem joga na condição de visitado goza
de alguma vantagem, razão pela qual não conta o resultado entre as equipas
empatadas. Situação semelhante acontece quando uma equipa é desclassificada por
razões disciplinares ou desiste de participar no campeonato no decorrer da
segunda volta. Mantêm-se todos os resultados da primeira volta, conforme alínea
d) do nº 1 do artº 38º do Regulamento Disciplinar da Associação de Futebol de
Setúbal. É a altura da prova em que todos jogaram contra todos. Ou seja, existe
um largo histórico de situações semelhantes. Só as causas é que são diferentes.
Nos casos descritos, esta condição é conhecida à partida por resultar de uma
decisão prévia. No caso vertente, a condição era desconhecida à partida por
resultar de uma causa fortuita e imprevisível. Ora, havendo casos análogos,
teremos obrigatoriamente que recorrer à analogia para integrar esta lacuna da
lei.
Nenhuma decisão que se tome
será totalmente justa e do inteiro agrado de todos. No entanto, se for decidido
de acordo com a lei, ficaremos mais perto da justiça, por mais que isso custe.
Dura lex sed lex. Este é um humilde contributo para a difícil decisão a tomar e
que se poderá tornar muito complexa se não for tratada de uma forma geral e
abstracta, ou seja, fundada na lei.
Joaquim Tavares, Presidente
da Associação para o Desenvolvimento da Quinta do Conde